Aos domingos, como de costume, frequento o Largo da Ordem em Curitiba e sempre atento as coisas da numismática. Relatei aos amigos presentes, que no dia anterior, dia 21 de agosto de 2010, estive no encontro promovido pela Sociedade Numismática Brasileira e lá, o grande burburinho do momento, era a descoberta ocorrida em Salvador, na Bahia, das moedas de ouro de 6.400 Réis e o 600 Réis série "J" em prata, ambas do ano 1758 da casa monetária "B", em estado "flôr de cunho". Dentre estes amigos presentes, o amigo Ernâni Costa Straube fez lembrar da descoberta do Tesouro em Curitiba no ano de 1957, e assim, publico abaixo, para apreciação dos leitores.
Ernâni Costa Straube – Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, texto originariamente publicado no Boletim do IHGPR – Vol LIX – 2008.
No sábado, 19 de outubro de 1957, os operários contratados pela firma "Dias Martins S.A.", proprietária de um armazém na Rua Visconde de Guarapuava, 2807, em Curitiba, procediam à demolição de um prédio residencial de alvenaria, de um pavimento e sótão, adquirido em 1955 e localizado na Rua André de Barros, n.° 720, para a construção de novo edifício.
Tudo corria normal e tranqüilamente quando, ao retirarem o forro do andar térreo, depararam com um pacote de apreciável dimensão, envolto em papel de jornal bastante amarelado. Com curiosidade e avidez, desembrulharam o pacote, em cujo interior encontraram 880 libras esterlinas "de ouro".
A libra esterlina era e é a moeda circulante no Reino Unido (Inglaterra, etc.) e tem alto valor monetário, superior ao dólar americano. Considerada a quantidade de moedas, evidentemente, isso causou um frenesi nos operários. Imediatamente vislumbraram a oportunidade de aquisição de casa própria, bens de consumo e os sonhos foram às alturas...
Três dos operários, Antônio D.S., Manoel J. S. e ildefonso G., que encontraram o embrulho, procuraram dividir o achado em partes iguais, sem beneficiar os demais que ali trabalhavam, afastando-se da obra e tomando destino desconhecido. Os demais operários, inconformados com essa divisão, imediatamente procuraram o mestre de obras tendo este levado quatro moedas ao gerente da firma, Sr. Júlio dos Santos, que por sua vez dirigiu-se à Central de Polícia, na Rua Barão do Rio Branco e lá, junto ao Delegado, Dr. José de Almeida Pimpão, titular da Delegacia de Falsificações e Defraudações em Geral, formulou queixa.
O gerente, defendendo os interesses da firma, questionava o direito da "Dias Martins", na metade do "tesouro". A polícia imediatamente determinou a procura dos três operários, cujos endereços foram fornecidos pelo gerente. Não foram encontrados, pois provavelmente tinham entrado em "férias" do serviço e achavam-se festejando a sorte grande.
Alguns dias depois, dia 24, os três operários compareceram à Delegacia e entregaram as 880 moedas de libras esterlinas. Na ocasião, justificando o procedimento que tomaram, alegaram desconhecer a obrigação de dar metade das moedas para a firma para a qual trabalhavam e proprietária do imóvel em demolição e que ao se aperceberem da importância do achado, pensaram em aquinhoar os demais companheiros com algumas moedas.
O achado, segundo entendidos e a imprensa divulgou, teria o valor aproximado, na época, de um milhão de cruzeiros.
Falando à reportagem dos jornais "A Tribuna" e "Estado do Paraná", o carpinteiro Antônio declarou que, não tendo casa própria, iria adquirir um imóvel para a família; o pedreiro Manoel manifestou a intenção de construir sua casa e Ildefonso, desejava permutar sua casa por outra mais confortável, além da aquisição de outros bens.
Na presença da autoridade policial, foi procedida a divisão, cabendo metade à firma "Dias Martins" e a outra metade aos três felizardos descobridores.
Imediatamente, correu na cidade o boato de que as moedas eram falsas. O Museu Paranaense, na pessoa do Dr. Júlio Moreira, foi procurado para dar seu parecer, sendo constatada a procedência do boato. De posse das moedas destinadas à firma, um dos diretores da "Dias Martins" dirigiu-se à capital de São Paulo, com o intuito de verificar a autenticidade das moedas e eventualmente vendê-las.
Naquela capital, ao serem minuciosamente examinadas por especialistas, foi constatado serem efetivamente falsas, cessando assim o interesse dos possuidores do "tesouro"; e os sonhos de ouro se desfizeram...
Em Curitiba, surgiram pelas esquinas vendedores de "libras esterlinas", presumivelmente as encontradas no casarão, pois não era corrente e comum a existência desse tipo de moeda na cidade. Esse foi certamente o clímax apropriado para os malandros entrarem em ação, enganando não só pessoas honestas como casas de crédito, vendendo-as abaixo do valor real. No exame superficial das características e do peso de cada moeda, podia-se verificar não corresponderem às libras verdadeiras.
Evidentemente, a polícia foi acionada para coibir o golpe.
Vamos agora à verdade histórica... Em 1888, Militão José da Costa, adquiriu de Joaquim Ventura de Almeida Torres (Juca Tamanqueiro), por três contos de réis, um terreno com cento e vinte palmos, com uma casa de madeira nos fundos, na Rua da Misericórdia n.° 3, onde passou a residir.
Posteriormente, essa casa foi demolida e construída outra de material no alinhamento da rua, sob n.° 31, e a partir de 1923, designada como Rua André de Barros, número 259-e na época da venda, n.° 720. A casa, com frente para Rua André de Barros, ficava à direita
do rio lvo que por ali ainda passa e o terreno sujeito a inundações freqüentes.
Hoje, canalizado, o rio Ivo acha-se na Travessa da Lapa, por onde trafegam os ônibus e no local da residência foi construído o prédio adquirido posteriormente pelo SENAC.
Militão, nascido em Curitiba em 1846, casado com Balbina Baptista Ribeiro, exerceu diversas atividades profissionais, inclusive políticas. Foi alferes da Guarda Nacional de Rio Negro, como Vereador em Rio Negro assinou a ata de instalação do município, em 15 de novembro de 1870, Presidente e Procurador da referida Câmara, agente do correio naquela cidade, fiscal da Câmara Municipal de Curitiba e também em Curitiba, exerceu o cargo de Secretário da Instrução Pública, cargo em que aposentou-se.
Na data comemorativa das bodas de prata do casal, com a festa pronta, Militão veio a falecer em 31 de maio de 1895, sendo velado na casa ainda por receber a pintura.
Por registro familiar, sabe-se que Militão, possuindo certa quantia de poupança, resolvera permutar os mil réis por libras esterlinas. Sabedor que um determinado industrial curitibano teria condições de efetuar essa transação, fez a troca. Posteriormente, veio a descobrir que as moedas eram de fabricação caseira do referido industrial e a fim de não ser taxado de vítima de um golpe, comprometendo sua honradez e respeitabilidade, embrulhou as libras, retirou o espelho da escada que levava ao andar superior e lançou o pacote à distância, entre o forro e o piso do sótão, onde fora encontrado. Sua mulher Balbina, falecida em 1928, e os filhos tinham conhecimento de que Militão teria enterrado as moedas no quintal da propriedade, em local desconhecido.
E o "tesouro" ficou esquecido, por muitos anos, por desconhecimento dos familiares de sua localização.
O imóvel foi transferido para seu filho, Professor Brasílio Ovídio da Costa, e após seu falecimento em 1946, para os herdeiros. No ano de 1955, a propriedade foi vendida para a referida firma "Dias Martins" que construiu um prédio de dois pavimentos onde se instalou e atualmente sedia o "SENAC".
Na ocasião do fato relatado, o filho de Brasílio Ovídio, o advogado Brasílio de França Costa, procurou o Delegado de Falsificações e Defraudações esclarecendo o que a família sabia a respeito, acreditando-se inclusive que esse dinheiro tivesse sido enterrado no quintal da casa e assim encerrou-se esse episódio da descoberta de um "tesouro" em Curitiba que agitou toda a cidade, tomando as manchetes dos jornais locais e foi motivo de muitas conversas nos cafés na década de cinqüenta.
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