BRAZIL RAILWAY COMPANY
A construção e o desenvolvimento das principais ferrovias nos Estados Unidos entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, caracterizou-se por grandes empreendimentos realizados em direção ao Oeste por poderosos empresários que ficariam conhecidos pela História, justa ou injustamente, como “Barões Ladrões” (Robber Barons) face ao imenso poder e fortuna que acumularam, expulsando e apropriando-se de imensas faixas de terras habitadas pelos indígenas norte-americanos, ao longo dos trilhos. Os “Barões Ladrões” ganharam fama de heróicos aventureiros bem-sucedidos e estimularam muitos jovens ambiciosos a tentar seguir seu exemplo no mundo dos negócios.
Um desses jovens era Percival Farquhar, uma personalidade que se tornou quase lenda no Brasil durante as primeiras décadas do século XX.
Farquhar era filho de um importante industrial, de origem quacker, conhecido e respeitado nos meios financeiros de Nova York e Londres e que partilhou da amizade e dos interesses de todos os presidentes norte-americanos, de Lincoln a Hoover. No final do século XIX, ele rapidamente se entrosou no meio financeiro americano inicialmente trabalhando para grandes empresários, através dos quais teve a oportunidade de estreitar os laços de amizade com os principais banqueiros da época.
Visionário, determinado e ambicioso, Farquhar logo percebeu que as oportunidades para fazer fortuna iam se tornando cada vez mais escassas nos Estado Unidos. Mas que eram abundantes em países ainda em desenvolvimento no continente americano.
Aliou a sua enorme ambição e seu círculo de amizades com os ideais do Destino Manifesto, uma expressão típica da época, na qual expressava a crença de que o povo dos Estados Unidos foi eleito por Deus para comandar o mundo. Por isso, o expansionismo norte-americano é apenas o cumprimento da vontade Divina. Tanto os ingleses como os nazistas também tiveram as suas versões locais dos mesmos ideais de expansão e dominação, o que acabou levando o mundo para a Segunda Grande Guerra Mundial, em 1938. Os defensores do Destino Manifesto acreditavam que a expansão não só era boa, mas que era inevitável (“destino”) como também, óbvia ("manifesto"). Originalmente uma frase de propaganda política do século XIX, o Destino Manifesto se tornou um termo histórico padrão, freqüentemente usado como um sinônimo para a expansão territorial dos Estados Unidos por todas as Américas e pelo Oceano Pacífico. As doutrinas do Destino Manifesto foram usadas explicitamente pelo Governo e pela imprensa norte-americana durante a década de 1840, até a compra de Gasden (sendo também incluída a compra do Alasca por alguns historiadores), como justificativa para o expansionismo norte-americano nas Américas. Esta expressão deixou de ser utilizada oficialmente, da década de 1950 (época da Guerra Fria) até o final da década de 1980 com o fim do regime soviético (época da glasnost e da Perestroika) quando foi então revivida e voltou a ser falada publicamente por militares e políticos norte-americanos, como uma justificativa para o expansionismo norte-americano fora das Américas. Logo, porém, deixou de ser utilizada explicitamente pela mídia e por políticos em geral por ser “politicamente incorreta”, sendo substituída pela expressão “defesa dos interesses norte-americanos”, embora alguns especialistas demonstrem que, certas doutrinas do Destino Manifesto tenham forte influência sobre a política externa de todos os Governos norte-americanos até os dias de hoje.
Os primeiros empreendimentos de sucesso de Farquhar nas áreas de transporte e infra-estrutura foram em Cuba e na Guatemala, entre 1898 e 1908, quando passou a se dedicar quase que exclusivamente a explorar oportunidades de empreendimentos no Brasil.
O interesse de Farquhar pelo Brasil começou em 1904, participando da organização de empresas, com a emissão de títulos para obtenção de recursos nos mercados financeiros europeu e norte-americano, que posteriormente se tornariam famosas, como por exemplo, a Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company. Seu primeiro empreendimento ferroviário (e pelo qual ficaria mais conhecido no Brasil) foi em 1907, com a constituição e capitalização da Madeira-Mamoré Railway Company também através da emissão de títulos de diversos valores nominais na Europa e nos Estados Unidos, empresa criada para construir a ferrovia do mesmo nome em plena selva amazônica, por encomenda do Governo Brasileiro, como cláusula do acordo de aquisição do Acre junto ao Governo da Bolívia, integrando-a a navegação fluvial como parte de um sistema de transporte e exportação da borracha nativa da região. A ferrovia era longa, tinha 364 km, e foi inaugurada em 1912, justamente quando chegava ao fim o boom da borracha nativa. De projeto controverso, teve a sua construção tumultuada, com milhares de vítimas, atrasos constantes e orçamento crescente. Depois de pronta e inaugurada, teve operação deficitária, foi nacionalizada e teve o seu tráfego suspenso em 1931.
(imagens dos títulos da Light e da Madeira-Mamoré)
Entretanto foi no sul do Brasil que Farquhar vislumbrou criar um gigantesco complexo de transportes e colonização, inspirado pela suas crenças no Destino Manifesto e na sua formação quacker, no clima ameno e nas terras semelhantes às que atraíram milhares de imigrantes europeus para a América do Norte. Em 12 de novembro de 1906, ele fundou nos Estados Unidos, a Brazil Railway Company, destinada a se tornar em apenas seis anos, a maior empresa ferroviária privada que o Brasil já conheceu.
(imagem do título da Brazil Railway)
As principais ferrovias que Farquhar comprou ou arrendou neste período foram:
• São Paulo-Rio Grande (SP-RG): A concessão da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, iniciou com o engenheiro João Teixeira Soares em 1890, abandonando o projeto em 1908, quando foi adquirida por Percival Farquhar e passou a ser a espinha dorsal das linhas da Brazil Railway Company nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A SP-RG na época ligava Ponta Grossa (PR) às cidades vizinhas de Porto União (PR) e União da Vitória (SC) e possuía diversas concessões para outras linhas, incluindo seu prolongamento até Marcelino Ramos no Rio Uruguai, fronteira com o estado do Rio Grande do Sul. A União garantia, por contrato firmado entre as partes, uma subvenção de 30 contos de réis por quilômetro construído mais juros de 6% ao ano sobre todo o capital que a concessionária investisse na obra. Assim sendo, a Brazil Railway Company procurou alongar a linha ao máximo, contornando os obstáculos naturais através de longas curvas e economizando nas construções de aterros, pontes, viadutos e túneis. Além do que, recebeu a propriedade das terras que ficavam até 15 quilômetros de cada lado da linha, o que configurou uma doação contratual por parte do Governo Brasileiro de 15.894 km² de terras férteis, cobertas por florestas de araucárias, numa área de 656.776 alqueires. Essas terras foram consideradas tanto pelo Governo como pela Brazil Railway Company, devolutas e desabitadas, o que não era verdade. Desde o século XVIII, com os rebanhos de gado tocados pelos tropeiros que, partindo de Viamão (RS) com destino ao comércio em Sorocaba (SP), diversas localidades surgiram ao longo do caminho, inicialmente como locais de pouso. Durante muito tempo, milhares de brasileiros habitantes dessas localidades viveram semi-isolados, criando gado, colhendo erva-mate e extraindo madeira para seu próprio consumo. A erva-mate colhida já era então, vendida até na região do Rio da Prata. Enquanto houve emprego disponível na construção da ferrovia, não ocorreram maiores problemas. Porém, após o término das obras e por razões desconhecidas até hoje, a Brazil Railway Company não cumpriu o seu compromisso de encaminhar e pagar a viagem de volta para os seus locais de origem, dos mais de 4.000 operários que contratara por todo o Brasil. Desempregados e sem condições de retornar a seus lares, juntaram-se aos demais nativos que foram demitidos e começaram a perambular pela região, sem abrigo e nem alimento. A intolerância dos proprietários rurais de um lado e a fome e a miséria dos desempregados de outro, acabaram em saques, roubos e mortes. Esses lamentáveis episódios serviram como estopim do que acabaria se tornando a Guerra do Contestado.
(imagem do título da São Paulo-Rio Grande)
• Estrada de Ferro do Paraná: Umas das obras primas da engenharia ferroviária brasileira, a linha-tronco entre Curitiba e Paranaguá construída entre 1880 e 1885 é ainda hoje, admirada pelo impressionante trecho de simples aderência que transpõe a Serra do Mar.
• Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina: A importância desta estrada no Estado de Santa Catarina era garantir o aproveitamento de parte de suas linhas como parte da ferrovia que Farquhar planejava de São Paulo ao Rio Grande do Sul.
• Estrada de Ferro Sorocabana: Farquhar adquiriu o controle da grande ferrovia que se desenvolvia na época entre a capital de São Paulo até quase a fronteira com o Paraná através de um dos lances empresariais mais audaciosos da época. Farquhar, por acaso, estava em Londres no inicio de maio de 1907, quando o prestigioso jornal The Times publicou uma notícia dando conta que o superintendente geral da São Paulo Railway, ferrovia de capital inglês, estava embarcando de volta para o Brasil, com a missão de arrendar a Sorocabana, então sob controle estadual. A posse da Sorocabana pela Brazil Railway Company era considerada fundamental e Farquhar há muito vinha tentando sem sucesso, uma negociação neste sentido com o Governo do Estado de São Paulo. Como o navio trazendo o superintendente da SPR iria demorar semanas para chegar ao Brasil, Farquhar iniciou uma desesperada operação de engenharia financeira para obtenção de recursos em Paris e nos Estados Unidos, correndo contra o tempo para poder fazer sua oferta antes dos seus concorrentes ingleses. Após intensas negociações que duraram vários dias seguidos, Farquhar despachou um telegrama urgente para os seus representantes no Brasil negociarem o arrendamento da Sorocabana com o governo paulista, de maneira que quando o superintendente da São Paulo Railway finalmente desembarcou em São Paulo, a Sorocabana já era mais uma ferrovia sob controle da Brazil Railway Company.
(imagem do título da Sorocabana)
• Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer du Brésil: era arrendatária de cerca de 2000 km de linhas no Rio Grande do Sul, constituindo-se em um elo natural na cadeia de ferrovias da Brazil Railway Company. O arrendamento da Auxiliaire, em 1910, foi relativamente simples para Farquhar, já que ele matinha boas relações com o grupo de banqueiros belgas que detinham o controle desta companhia.
(imagem do título da Auxiliaire)
• Companhia Paulista e Companhia Mogiana: Farquhar interessou-se também por controlar as principais concorrentes da Sorocabana que, como ela, foram construídas por ricos fazendeiros paulistas conhecidos como os Barões do Café, seguindo o avanço do plantio e colheita do café. Mas nesse caso os investimentos teriam que ser muito grandes. Ao invés disso, a Brasil Railway Company acabou por adquirir um significativo lote de ações de ambas as ferrovias, nomeando diretores para influir aos menos em parte na administração, de acordo com seus interesses. A influência maior acabou sendo na Mogiana, que na época carecia de recursos. Farquhar tentou ainda superar a si mesmo e através de complexas manobras financeiras, quase veio a adquirir o controle da própria São Paulo Railway. Esta operação acabou não dando certo pelo repentino recuo de um dos banqueiros acionista da SPR, que Farquhar acreditava estar do seu lado.
(imagens dos títulos da Paulista e da Mogiana)
Para tornar viável o gigantesco empreendimento da Brazil Railway Company, Farquhar também investiu pesado na construção de diversas linhas de conexão, tornando a ligação ferroviária entre São Paulo e o Rio Grande do Sul uma realidade. Farquhar orientava as companhias para que construíssem as novas linhas nas melhores condições técnicas possíveis, contratando os melhores especialistas dos Estados Unidos. Farquhar também não economizava em material rodante, fazendo a primeira grande padronização de equipamentos ferroviários no Brasil.
No auge da Brazil Railway Company, Farquhar era considerado o maior símbolo do poder econômico norte-americano no Brasil. Seus investidores também eram dirigentes da Canadian Pacific Railway, da Canadian Steamship Company, da Wisconsin Central Railway, da Minneapolis and St. Louis, da Geórgia Central Railroad, da United Fruit Company. Também havia sócios das ferrovias da Guatemala, Jamaica e Costa Rica, da Mexican Light and Power e do Banque des Pays-Bas.
O “Sindicato Farquhar” reunia no Brasil, 38 empresas e parecia grande demais aos olhos do Governo, da opinião pública, da concorrência e principalmente, dos políticos. Havia de tudo; desde operadoras de docas em importantes portos brasileiros, a maior companhia madeireira das Américas, uma fábrica de papel, enormes áreas de terras para pastagens e plantio em Mato Grosso e no Pará, seringais, o primeiro frigorífico moderno do Brasil, a Bahia Tramway, Light and Power Company, hotéis de luxo, restaurantes, companhias telefônicas até uma grande frota de vapores no Amazonas. A Brazil Railway Company também compartilhava diretores com a Great Western, com a Leopoldina e com a Brazilian Traction, a maior empresa de bondes para transporte urbano de passageiros do Brasil.
A essas alturas, por volta de 1912, eclodiu um surto nacionalista alimentado por grupos nacionais e estrangeiros, interessados em desmembrar e tomar posse dos empreendimentos em atividade. Farquhar e suas empresas sofreram uma intensa campanha de difamação sem tréguas pela imprensa, que perdura até os dias de hoje, onde ele é invariavelmente retratado como o representante dos “tentáculos do imperialismo ianque sobre o Brasil". Ao mesmo tempo, acabava a calmaria no mercado financeiro internacional. A história registra que o empreendimento da Brazil Railway Company só foi possível pela abundante oferta de capitais que se verificou no mundo até meados de 1912. O agravamento da crise política européia acabou levando as nações mais desenvolvidas a entrarem na Primeira Grande Guerra Mundial e fez com estes capitais se retraíssem justamente numa época em que a Brazil Railway Company começava a dar os primeiros sinais de desequilíbrio financeiro. A partir de 1913, a Brazil Railway Company começou a ficar insolvente e Farquhar tentou desesperadamente obter recursos no exterior. Mas a situação foi se deteriorando rapidamente e o inevitável aconteceu: em outubro de 1914 foi decretada a falência da Brasil Railway Company lá nos Estados Unidos. Todo o complexo da Brazil Railway Company acabou sendo dominado pela corrupção, indo à bancarrota aqui no país em 1917.
O Governo Federal e os governos de São Paulo e do Rio Grande do Sul intervieram rapidamente na administração das principais ferrovias da Brazil Railway Company, enquanto corria uma avalanche de processos nas Justiças norte-americana, brasileira e francesa. Pelo menos em termos de equipamento, a Brazil Railway deixara as ferrovias sob sua administração, numa situação infinitamente melhor do que as encontrara. Em 1940, o governo Getúlio Vargas encampou todos os bens da Brazil Railway Company, incorporando o seu acervo ferroviário na RVPSC Rede Viação Paraná-Santa Catarina. E esta acabou sendo incorporada na RFF Rede Ferroviária Federal em 1957.
(fotos da fachada da estação da RVPSC e da RFF)
Farquhar continuaria a ser manchete no Brasil por mais de trinta anos a partir de 1919, travando desta vez uma batalha para explorar o minério de ferro das reservas da Itabira Iron, em Itabira (MG), envolvendo a Estrada de Ferro Vitória a Minas.
Em 1904 foi inaugurada a Companhia Estrada de Ferro Vitória-Minas (CEFVM) ligando Cariacica, ES, a Alfredo Maia, MG. Durante a sua construção, chamou a atenção de grupos ingleses para existência de imensas jazidas de ferro na região. Estes grupos adquiriram grandes áreas de terra na região de Itabira, MG e fundaram, em 1909, o Brazilian Hematite Syndicate. Adquiriram também a maioria das ações da estrada de ferro.
(imagem do título da Vitória-Minas)
Em 1910, durante o XI Congresso Geológico e Mineralógico, realizado em Estocolmo, o mundo toma conhecimento dessas reservas, que têm alto teor de ferro e são estimadas em 2 bilhões de toneladas.
Em 1911, Percival Farquhar adquiriu a maioria do capital do Brazilian Hematite Syndicate, alterando seu nome para Itabira Iron Ore Company.
Com um ousado e gigantesco projeto, orçado em 80 milhões de dólares na época, obteve toda a simpatia do então Presidente da República Epitácio Pessoa, que assinou o famoso Contrato Itabira de 1920. Imediatamente Farquhar passaria a sofrer uma feroz oposição de Arthur Bernardes, então Presidente do Estado de Minas Gerais.
Ambos tinham visões conflitantes e irreconciliáveis: Arthur Bernardes pretendia implantar na região um império siderúrgico, sonhando com uma nova Região do Ruhr em seu estado, enquanto as prioridades de Farquhar se concentravam na exportação do minério bruto e na atividade ferroviária e marítima relacionadas a seu transporte.
Farquhar sofre seu grande revés quando Arthur Bernardes foi eleito Presidente da República em 1922 e promulga uma lei que taxava em 3 mil réis por tonelada, o minério de ferro que fosse exportado em bruto, inviabilizando assim o negócio.
Em 1930, o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, de forte discurso nacionalista e contando com o apoio dos tenentes, assume o poder no Brasil à frente do Golpe de Estado de 1930.
Em 1935, o governo de Getúlio Vargas enfrenta os interesses da poderosa Itabira Iron Ore, quando encampa a Estrada de Ferro Vitória a Minas.
Em 1937, é outorgada uma nova Constituição para o Estado Novo, com uma nova legislação determinando que a exploração das jazidas minerais no Brasil passasse a depender de prévia concessão do Governo Federal, a qual só poderá ser outorgada a empresas brasileiras, cujos acionistas fossem cidadãos brasileiros.
Em 1941, Farquhar vendo sua margem de manobra cada vez mais tolhida por Getúlio Vargas, resolve associar-se a empresários brasileiros e divide a Itabira Iron Ore em duas empresas "brasileiras": a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia e a Companhia Itabira de Mineração.
Negociando habilmente com o governo norte-americano (que precisava urgentemente de autorização para poder operar aviões militares em bases aéreas no nordeste brasileiro durante a 2ª Guerra Mundial) Getúlio Vargas conseguiu obter o apoio técnico e financeiro norte-americano para a construção de uma siderúrgica de grande porte no Brasil, que se tornaria a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda, RJ, e mais ainda, conseguiu fazer com que os americanos intercedessem junto ao governo inglês no sentido de evitar quaisquer objeções dos sócios ingleses à encampação das reservas de minério de ferro que ainda detinham em sociedade com Farquhar.
Estes entendimentos foram denominados como Acordos de Washington, uma série de cinco acordos que estabeleciam a concessão de um crédito de US$ 50 milhões para auxiliar a criação de um Banco Central brasileiro; a concessão de um empréstimo de US$ 19,2 milhões do Eximbank para a liquidação de atrasados comerciais e a reativação do intercâmbio comercial entre os dois países; o compromisso desse mesmo banco de financiar vendas norte-americanas para o Brasil com prazos de pagamento e juros favorecidos, e a promessa do governo Roosevelt de facilitar a formação de companhias de desenvolvimento, com capitais americanos e brasileiros, destinadas à industrialização de matérias-primas brasileiras. Em contrapartida, o governo brasileiro assumiu o compromisso de liberar o mercado de câmbio para as transações comerciais, facilitar a transferência de lucros de capitais norte-americanos aplicados no Brasil e retomar o pagamento da dívida externa. Acertou-se também a troca de visitas dos chefes de Estado-Maior dos Exércitos norte-americano e brasileiro, respectivamente o general Marshall e o general Góes Monteiro, iniciativa de significado mais político do que militar, visando uma colaboração que barrasse o aumento da influência militar alemã, bem sucedida a ponto de acabar levando o Governo Brasileiro a romper relações diplomáticas com os países do Eixo, declarando-lhes estado de guerra e instituindo a FEB Força Expedicionária Brasileira que foi enviada para os campos de combate da Itália. Ademais, houve um enorme aumento na aquisição de nossas matérias-primas por parte dos Estados Unidos, para o esforço de guerra aliado, como café, algodão, milho, arroz, frutas diversas, juta, borracha, cristais, minerais estratégicos e madeira.
Em decorrência dos acordos, Getúlio Vargas assina o decreto-lei nº 4.352 de 1º de junho de 1942 criando a Companhia Vale do Rio Doce. A nova empresa, constituída como uma sociedade anônima de economia mista, encampa todo o empreendimento de Farquhar e assume o controle da Estrada de Ferro Vitória a Minas, com o objetivo de assegurar o suprimento estratégico de minério de ferro para a recém-criada Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, bem como para dedicar-se à exportação de minério de ferro. Com controle acionário do governo federal, a CVRD foi organizada para explorar as riquezas minerais do subsolo brasileiro, principalmente o ferro.
(imagem de uma ação da CVRD)
Com as disposições contidas no Código de Minas - que fazia distinção entre a propriedade do solo e a do subsolo e vedava a exploração do subsolo brasileiro a estrangeiros, o governo federal implementou a partir da década de 1940 projetos para a área da exploração mineral.
Com sua nítida postura nacionalista, o governo Vargas encerrou definitivamente as atividades que Percival Farquhar e a Itabira Iron Ore Company mantinham no Brasil.
A construção e o desenvolvimento das principais ferrovias nos Estados Unidos entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, caracterizou-se por grandes empreendimentos realizados em direção ao Oeste por poderosos empresários que ficariam conhecidos pela História, justa ou injustamente, como “Barões Ladrões” (Robber Barons) face ao imenso poder e fortuna que acumularam, expulsando e apropriando-se de imensas faixas de terras habitadas pelos indígenas norte-americanos, ao longo dos trilhos. Os “Barões Ladrões” ganharam fama de heróicos aventureiros bem-sucedidos e estimularam muitos jovens ambiciosos a tentar seguir seu exemplo no mundo dos negócios.
Um desses jovens era Percival Farquhar, uma personalidade que se tornou quase lenda no Brasil durante as primeiras décadas do século XX.
Farquhar era filho de um importante industrial, de origem quacker, conhecido e respeitado nos meios financeiros de Nova York e Londres e que partilhou da amizade e dos interesses de todos os presidentes norte-americanos, de Lincoln a Hoover. No final do século XIX, ele rapidamente se entrosou no meio financeiro americano inicialmente trabalhando para grandes empresários, através dos quais teve a oportunidade de estreitar os laços de amizade com os principais banqueiros da época.
Visionário, determinado e ambicioso, Farquhar logo percebeu que as oportunidades para fazer fortuna iam se tornando cada vez mais escassas nos Estado Unidos. Mas que eram abundantes em países ainda em desenvolvimento no continente americano.
Aliou a sua enorme ambição e seu círculo de amizades com os ideais do Destino Manifesto, uma expressão típica da época, na qual expressava a crença de que o povo dos Estados Unidos foi eleito por Deus para comandar o mundo. Por isso, o expansionismo norte-americano é apenas o cumprimento da vontade Divina. Tanto os ingleses como os nazistas também tiveram as suas versões locais dos mesmos ideais de expansão e dominação, o que acabou levando o mundo para a Segunda Grande Guerra Mundial, em 1938. Os defensores do Destino Manifesto acreditavam que a expansão não só era boa, mas que era inevitável (“destino”) como também, óbvia ("manifesto"). Originalmente uma frase de propaganda política do século XIX, o Destino Manifesto se tornou um termo histórico padrão, freqüentemente usado como um sinônimo para a expansão territorial dos Estados Unidos por todas as Américas e pelo Oceano Pacífico. As doutrinas do Destino Manifesto foram usadas explicitamente pelo Governo e pela imprensa norte-americana durante a década de 1840, até a compra de Gasden (sendo também incluída a compra do Alasca por alguns historiadores), como justificativa para o expansionismo norte-americano nas Américas. Esta expressão deixou de ser utilizada oficialmente, da década de 1950 (época da Guerra Fria) até o final da década de 1980 com o fim do regime soviético (época da glasnost e da Perestroika) quando foi então revivida e voltou a ser falada publicamente por militares e políticos norte-americanos, como uma justificativa para o expansionismo norte-americano fora das Américas. Logo, porém, deixou de ser utilizada explicitamente pela mídia e por políticos em geral por ser “politicamente incorreta”, sendo substituída pela expressão “defesa dos interesses norte-americanos”, embora alguns especialistas demonstrem que, certas doutrinas do Destino Manifesto tenham forte influência sobre a política externa de todos os Governos norte-americanos até os dias de hoje.
Os primeiros empreendimentos de sucesso de Farquhar nas áreas de transporte e infra-estrutura foram em Cuba e na Guatemala, entre 1898 e 1908, quando passou a se dedicar quase que exclusivamente a explorar oportunidades de empreendimentos no Brasil.
O interesse de Farquhar pelo Brasil começou em 1904, participando da organização de empresas, com a emissão de títulos para obtenção de recursos nos mercados financeiros europeu e norte-americano, que posteriormente se tornariam famosas, como por exemplo, a Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company. Seu primeiro empreendimento ferroviário (e pelo qual ficaria mais conhecido no Brasil) foi em 1907, com a constituição e capitalização da Madeira-Mamoré Railway Company também através da emissão de títulos de diversos valores nominais na Europa e nos Estados Unidos, empresa criada para construir a ferrovia do mesmo nome em plena selva amazônica, por encomenda do Governo Brasileiro, como cláusula do acordo de aquisição do Acre junto ao Governo da Bolívia, integrando-a a navegação fluvial como parte de um sistema de transporte e exportação da borracha nativa da região. A ferrovia era longa, tinha 364 km, e foi inaugurada em 1912, justamente quando chegava ao fim o boom da borracha nativa. De projeto controverso, teve a sua construção tumultuada, com milhares de vítimas, atrasos constantes e orçamento crescente. Depois de pronta e inaugurada, teve operação deficitária, foi nacionalizada e teve o seu tráfego suspenso em 1931.
(imagens dos títulos da Light e da Madeira-Mamoré)
Entretanto foi no sul do Brasil que Farquhar vislumbrou criar um gigantesco complexo de transportes e colonização, inspirado pela suas crenças no Destino Manifesto e na sua formação quacker, no clima ameno e nas terras semelhantes às que atraíram milhares de imigrantes europeus para a América do Norte. Em 12 de novembro de 1906, ele fundou nos Estados Unidos, a Brazil Railway Company, destinada a se tornar em apenas seis anos, a maior empresa ferroviária privada que o Brasil já conheceu.
(imagem do título da Brazil Railway)
As principais ferrovias que Farquhar comprou ou arrendou neste período foram:
• São Paulo-Rio Grande (SP-RG): A concessão da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, iniciou com o engenheiro João Teixeira Soares em 1890, abandonando o projeto em 1908, quando foi adquirida por Percival Farquhar e passou a ser a espinha dorsal das linhas da Brazil Railway Company nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A SP-RG na época ligava Ponta Grossa (PR) às cidades vizinhas de Porto União (PR) e União da Vitória (SC) e possuía diversas concessões para outras linhas, incluindo seu prolongamento até Marcelino Ramos no Rio Uruguai, fronteira com o estado do Rio Grande do Sul. A União garantia, por contrato firmado entre as partes, uma subvenção de 30 contos de réis por quilômetro construído mais juros de 6% ao ano sobre todo o capital que a concessionária investisse na obra. Assim sendo, a Brazil Railway Company procurou alongar a linha ao máximo, contornando os obstáculos naturais através de longas curvas e economizando nas construções de aterros, pontes, viadutos e túneis. Além do que, recebeu a propriedade das terras que ficavam até 15 quilômetros de cada lado da linha, o que configurou uma doação contratual por parte do Governo Brasileiro de 15.894 km² de terras férteis, cobertas por florestas de araucárias, numa área de 656.776 alqueires. Essas terras foram consideradas tanto pelo Governo como pela Brazil Railway Company, devolutas e desabitadas, o que não era verdade. Desde o século XVIII, com os rebanhos de gado tocados pelos tropeiros que, partindo de Viamão (RS) com destino ao comércio em Sorocaba (SP), diversas localidades surgiram ao longo do caminho, inicialmente como locais de pouso. Durante muito tempo, milhares de brasileiros habitantes dessas localidades viveram semi-isolados, criando gado, colhendo erva-mate e extraindo madeira para seu próprio consumo. A erva-mate colhida já era então, vendida até na região do Rio da Prata. Enquanto houve emprego disponível na construção da ferrovia, não ocorreram maiores problemas. Porém, após o término das obras e por razões desconhecidas até hoje, a Brazil Railway Company não cumpriu o seu compromisso de encaminhar e pagar a viagem de volta para os seus locais de origem, dos mais de 4.000 operários que contratara por todo o Brasil. Desempregados e sem condições de retornar a seus lares, juntaram-se aos demais nativos que foram demitidos e começaram a perambular pela região, sem abrigo e nem alimento. A intolerância dos proprietários rurais de um lado e a fome e a miséria dos desempregados de outro, acabaram em saques, roubos e mortes. Esses lamentáveis episódios serviram como estopim do que acabaria se tornando a Guerra do Contestado.
(imagem do título da São Paulo-Rio Grande)
• Estrada de Ferro do Paraná: Umas das obras primas da engenharia ferroviária brasileira, a linha-tronco entre Curitiba e Paranaguá construída entre 1880 e 1885 é ainda hoje, admirada pelo impressionante trecho de simples aderência que transpõe a Serra do Mar.
• Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina: A importância desta estrada no Estado de Santa Catarina era garantir o aproveitamento de parte de suas linhas como parte da ferrovia que Farquhar planejava de São Paulo ao Rio Grande do Sul.
• Estrada de Ferro Sorocabana: Farquhar adquiriu o controle da grande ferrovia que se desenvolvia na época entre a capital de São Paulo até quase a fronteira com o Paraná através de um dos lances empresariais mais audaciosos da época. Farquhar, por acaso, estava em Londres no inicio de maio de 1907, quando o prestigioso jornal The Times publicou uma notícia dando conta que o superintendente geral da São Paulo Railway, ferrovia de capital inglês, estava embarcando de volta para o Brasil, com a missão de arrendar a Sorocabana, então sob controle estadual. A posse da Sorocabana pela Brazil Railway Company era considerada fundamental e Farquhar há muito vinha tentando sem sucesso, uma negociação neste sentido com o Governo do Estado de São Paulo. Como o navio trazendo o superintendente da SPR iria demorar semanas para chegar ao Brasil, Farquhar iniciou uma desesperada operação de engenharia financeira para obtenção de recursos em Paris e nos Estados Unidos, correndo contra o tempo para poder fazer sua oferta antes dos seus concorrentes ingleses. Após intensas negociações que duraram vários dias seguidos, Farquhar despachou um telegrama urgente para os seus representantes no Brasil negociarem o arrendamento da Sorocabana com o governo paulista, de maneira que quando o superintendente da São Paulo Railway finalmente desembarcou em São Paulo, a Sorocabana já era mais uma ferrovia sob controle da Brazil Railway Company.
(imagem do título da Sorocabana)
• Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer du Brésil: era arrendatária de cerca de 2000 km de linhas no Rio Grande do Sul, constituindo-se em um elo natural na cadeia de ferrovias da Brazil Railway Company. O arrendamento da Auxiliaire, em 1910, foi relativamente simples para Farquhar, já que ele matinha boas relações com o grupo de banqueiros belgas que detinham o controle desta companhia.
(imagem do título da Auxiliaire)
• Companhia Paulista e Companhia Mogiana: Farquhar interessou-se também por controlar as principais concorrentes da Sorocabana que, como ela, foram construídas por ricos fazendeiros paulistas conhecidos como os Barões do Café, seguindo o avanço do plantio e colheita do café. Mas nesse caso os investimentos teriam que ser muito grandes. Ao invés disso, a Brasil Railway Company acabou por adquirir um significativo lote de ações de ambas as ferrovias, nomeando diretores para influir aos menos em parte na administração, de acordo com seus interesses. A influência maior acabou sendo na Mogiana, que na época carecia de recursos. Farquhar tentou ainda superar a si mesmo e através de complexas manobras financeiras, quase veio a adquirir o controle da própria São Paulo Railway. Esta operação acabou não dando certo pelo repentino recuo de um dos banqueiros acionista da SPR, que Farquhar acreditava estar do seu lado.
(imagens dos títulos da Paulista e da Mogiana)
Para tornar viável o gigantesco empreendimento da Brazil Railway Company, Farquhar também investiu pesado na construção de diversas linhas de conexão, tornando a ligação ferroviária entre São Paulo e o Rio Grande do Sul uma realidade. Farquhar orientava as companhias para que construíssem as novas linhas nas melhores condições técnicas possíveis, contratando os melhores especialistas dos Estados Unidos. Farquhar também não economizava em material rodante, fazendo a primeira grande padronização de equipamentos ferroviários no Brasil.
No auge da Brazil Railway Company, Farquhar era considerado o maior símbolo do poder econômico norte-americano no Brasil. Seus investidores também eram dirigentes da Canadian Pacific Railway, da Canadian Steamship Company, da Wisconsin Central Railway, da Minneapolis and St. Louis, da Geórgia Central Railroad, da United Fruit Company. Também havia sócios das ferrovias da Guatemala, Jamaica e Costa Rica, da Mexican Light and Power e do Banque des Pays-Bas.
O “Sindicato Farquhar” reunia no Brasil, 38 empresas e parecia grande demais aos olhos do Governo, da opinião pública, da concorrência e principalmente, dos políticos. Havia de tudo; desde operadoras de docas em importantes portos brasileiros, a maior companhia madeireira das Américas, uma fábrica de papel, enormes áreas de terras para pastagens e plantio em Mato Grosso e no Pará, seringais, o primeiro frigorífico moderno do Brasil, a Bahia Tramway, Light and Power Company, hotéis de luxo, restaurantes, companhias telefônicas até uma grande frota de vapores no Amazonas. A Brazil Railway Company também compartilhava diretores com a Great Western, com a Leopoldina e com a Brazilian Traction, a maior empresa de bondes para transporte urbano de passageiros do Brasil.
A essas alturas, por volta de 1912, eclodiu um surto nacionalista alimentado por grupos nacionais e estrangeiros, interessados em desmembrar e tomar posse dos empreendimentos em atividade. Farquhar e suas empresas sofreram uma intensa campanha de difamação sem tréguas pela imprensa, que perdura até os dias de hoje, onde ele é invariavelmente retratado como o representante dos “tentáculos do imperialismo ianque sobre o Brasil". Ao mesmo tempo, acabava a calmaria no mercado financeiro internacional. A história registra que o empreendimento da Brazil Railway Company só foi possível pela abundante oferta de capitais que se verificou no mundo até meados de 1912. O agravamento da crise política européia acabou levando as nações mais desenvolvidas a entrarem na Primeira Grande Guerra Mundial e fez com estes capitais se retraíssem justamente numa época em que a Brazil Railway Company começava a dar os primeiros sinais de desequilíbrio financeiro. A partir de 1913, a Brazil Railway Company começou a ficar insolvente e Farquhar tentou desesperadamente obter recursos no exterior. Mas a situação foi se deteriorando rapidamente e o inevitável aconteceu: em outubro de 1914 foi decretada a falência da Brasil Railway Company lá nos Estados Unidos. Todo o complexo da Brazil Railway Company acabou sendo dominado pela corrupção, indo à bancarrota aqui no país em 1917.
O Governo Federal e os governos de São Paulo e do Rio Grande do Sul intervieram rapidamente na administração das principais ferrovias da Brazil Railway Company, enquanto corria uma avalanche de processos nas Justiças norte-americana, brasileira e francesa. Pelo menos em termos de equipamento, a Brazil Railway deixara as ferrovias sob sua administração, numa situação infinitamente melhor do que as encontrara. Em 1940, o governo Getúlio Vargas encampou todos os bens da Brazil Railway Company, incorporando o seu acervo ferroviário na RVPSC Rede Viação Paraná-Santa Catarina. E esta acabou sendo incorporada na RFF Rede Ferroviária Federal em 1957.
(fotos da fachada da estação da RVPSC e da RFF)
Farquhar continuaria a ser manchete no Brasil por mais de trinta anos a partir de 1919, travando desta vez uma batalha para explorar o minério de ferro das reservas da Itabira Iron, em Itabira (MG), envolvendo a Estrada de Ferro Vitória a Minas.
Em 1904 foi inaugurada a Companhia Estrada de Ferro Vitória-Minas (CEFVM) ligando Cariacica, ES, a Alfredo Maia, MG. Durante a sua construção, chamou a atenção de grupos ingleses para existência de imensas jazidas de ferro na região. Estes grupos adquiriram grandes áreas de terra na região de Itabira, MG e fundaram, em 1909, o Brazilian Hematite Syndicate. Adquiriram também a maioria das ações da estrada de ferro.
(imagem do título da Vitória-Minas)
Em 1910, durante o XI Congresso Geológico e Mineralógico, realizado em Estocolmo, o mundo toma conhecimento dessas reservas, que têm alto teor de ferro e são estimadas em 2 bilhões de toneladas.
Em 1911, Percival Farquhar adquiriu a maioria do capital do Brazilian Hematite Syndicate, alterando seu nome para Itabira Iron Ore Company.
Com um ousado e gigantesco projeto, orçado em 80 milhões de dólares na época, obteve toda a simpatia do então Presidente da República Epitácio Pessoa, que assinou o famoso Contrato Itabira de 1920. Imediatamente Farquhar passaria a sofrer uma feroz oposição de Arthur Bernardes, então Presidente do Estado de Minas Gerais.
Ambos tinham visões conflitantes e irreconciliáveis: Arthur Bernardes pretendia implantar na região um império siderúrgico, sonhando com uma nova Região do Ruhr em seu estado, enquanto as prioridades de Farquhar se concentravam na exportação do minério bruto e na atividade ferroviária e marítima relacionadas a seu transporte.
Farquhar sofre seu grande revés quando Arthur Bernardes foi eleito Presidente da República em 1922 e promulga uma lei que taxava em 3 mil réis por tonelada, o minério de ferro que fosse exportado em bruto, inviabilizando assim o negócio.
Em 1930, o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, de forte discurso nacionalista e contando com o apoio dos tenentes, assume o poder no Brasil à frente do Golpe de Estado de 1930.
Em 1935, o governo de Getúlio Vargas enfrenta os interesses da poderosa Itabira Iron Ore, quando encampa a Estrada de Ferro Vitória a Minas.
Em 1937, é outorgada uma nova Constituição para o Estado Novo, com uma nova legislação determinando que a exploração das jazidas minerais no Brasil passasse a depender de prévia concessão do Governo Federal, a qual só poderá ser outorgada a empresas brasileiras, cujos acionistas fossem cidadãos brasileiros.
Em 1941, Farquhar vendo sua margem de manobra cada vez mais tolhida por Getúlio Vargas, resolve associar-se a empresários brasileiros e divide a Itabira Iron Ore em duas empresas "brasileiras": a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia e a Companhia Itabira de Mineração.
Negociando habilmente com o governo norte-americano (que precisava urgentemente de autorização para poder operar aviões militares em bases aéreas no nordeste brasileiro durante a 2ª Guerra Mundial) Getúlio Vargas conseguiu obter o apoio técnico e financeiro norte-americano para a construção de uma siderúrgica de grande porte no Brasil, que se tornaria a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda, RJ, e mais ainda, conseguiu fazer com que os americanos intercedessem junto ao governo inglês no sentido de evitar quaisquer objeções dos sócios ingleses à encampação das reservas de minério de ferro que ainda detinham em sociedade com Farquhar.
Estes entendimentos foram denominados como Acordos de Washington, uma série de cinco acordos que estabeleciam a concessão de um crédito de US$ 50 milhões para auxiliar a criação de um Banco Central brasileiro; a concessão de um empréstimo de US$ 19,2 milhões do Eximbank para a liquidação de atrasados comerciais e a reativação do intercâmbio comercial entre os dois países; o compromisso desse mesmo banco de financiar vendas norte-americanas para o Brasil com prazos de pagamento e juros favorecidos, e a promessa do governo Roosevelt de facilitar a formação de companhias de desenvolvimento, com capitais americanos e brasileiros, destinadas à industrialização de matérias-primas brasileiras. Em contrapartida, o governo brasileiro assumiu o compromisso de liberar o mercado de câmbio para as transações comerciais, facilitar a transferência de lucros de capitais norte-americanos aplicados no Brasil e retomar o pagamento da dívida externa. Acertou-se também a troca de visitas dos chefes de Estado-Maior dos Exércitos norte-americano e brasileiro, respectivamente o general Marshall e o general Góes Monteiro, iniciativa de significado mais político do que militar, visando uma colaboração que barrasse o aumento da influência militar alemã, bem sucedida a ponto de acabar levando o Governo Brasileiro a romper relações diplomáticas com os países do Eixo, declarando-lhes estado de guerra e instituindo a FEB Força Expedicionária Brasileira que foi enviada para os campos de combate da Itália. Ademais, houve um enorme aumento na aquisição de nossas matérias-primas por parte dos Estados Unidos, para o esforço de guerra aliado, como café, algodão, milho, arroz, frutas diversas, juta, borracha, cristais, minerais estratégicos e madeira.
Em decorrência dos acordos, Getúlio Vargas assina o decreto-lei nº 4.352 de 1º de junho de 1942 criando a Companhia Vale do Rio Doce. A nova empresa, constituída como uma sociedade anônima de economia mista, encampa todo o empreendimento de Farquhar e assume o controle da Estrada de Ferro Vitória a Minas, com o objetivo de assegurar o suprimento estratégico de minério de ferro para a recém-criada Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, bem como para dedicar-se à exportação de minério de ferro. Com controle acionário do governo federal, a CVRD foi organizada para explorar as riquezas minerais do subsolo brasileiro, principalmente o ferro.
(imagem de uma ação da CVRD)
Com as disposições contidas no Código de Minas - que fazia distinção entre a propriedade do solo e a do subsolo e vedava a exploração do subsolo brasileiro a estrangeiros, o governo federal implementou a partir da década de 1940 projetos para a área da exploração mineral.
Com sua nítida postura nacionalista, o governo Vargas encerrou definitivamente as atividades que Percival Farquhar e a Itabira Iron Ore Company mantinham no Brasil.
Desta forma, acabou um sonho de Percival Farquhar, um dos grandes precursores nos investimentos de infra-estrutura brasileira com capitais internacionais.
Uma lástima....
Texto de Autoria dos Numismatas, JOÃO GUALBERTO ABIB e ROBERTO KELLER.
Texto de Autoria dos Numismatas, JOÃO GUALBERTO ABIB e ROBERTO KELLER.
parabéns por este artigo, uma deliciosa aula de história. fico 'torcendo' por muito sucesso e bons artigos neste novo blog. com um abraço, eduardo hofstatter
ResponderExcluirParabéns aos Autores, texto estimulante e enriquecedor aos apaixonados pelas grandes aventuras dos empreendedores que acreditaram e investiram em nosso Pais, e que apesar das críticas e oposições, abriram mercados e muito contribuíram na modernização e desenvolvimento do Brasil
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