29 de jul. de 2008

A incrível história da moeda de ouro de Us$ 20 "Double Eagle" de 1933


A Casa da Moeda do Governo norte-americano (United States Mint) tem cunhado moedas de ouro de valores diversos desde 1795. A cunhagem da primeira Double Eagle de US$ 20 foi em 1849. Mas, uma única moeda em especial, entre todas as 445.500 moedas iguais cunhadas no ano de 1933, teve uma trajetória digna de um filme, onde envolve monarquia, intriga internacional, perseguição incansável por mais de 70 anos e valores milionários.

A moeda de ouro de US$ 20 de 1933, apelidada de Double Eagle, tinha um diâmetro de 34,1 milímetros, pesava 33,431 gramas e era composta de 90% ouro e 10% cobre, perfazendo 21,6 quilates. Foi desenhada pelo famoso escultor Augustus Saint-Gaudens e tinha no anverso, a figura de uma deusa grega segurando uma tocha e um ramo de oliveira, simbolizando sabedoria, prudência e bom-senso. Logo foi apelidada de Walking Liberty (Liberdade caminhando). No reverso, tinha uma majestosa Águia Careca em posição de vôo, a ave símbolo norte-americana, ladeada por um halo com legenda. Apesar da moeda possuir uma águia apenas, ganhou este apelido devido ao fato de que também a moeda de US$ 10 que levava uma águia já ter o apelido de Eagle; daí a moeda de US$ 20 passar então, a ser conhecida como "águia dupla ou águia em dobro" (Double Eagle).

Depois da U. S. Mint ter cunhado 445.500 moedas semelhantes em 1933, o Presidente Franklin Delano Roosevelt tirou os Estados Unidos do padrão-ouro em março deste ano. As moedas recém-cunhadas, mas não circuladas, foram derretidas e re-fundidas pois não eram consideradas legalmente como moeda corrente. De qualquer forma, 10 moedas escaparam para mãos de particulares, roubadas por funcionários de dentro da própria U. S. Mint. Como nunca foram consideradas como emissão oficial, a sua propriedade por particulares foi considerada ilegal, estando sujeito seus detentores, a pena por crime federal. Nove delas foram rastreadas e localizadas pelo Serviço Secreto dos Estados Unidos entre os anos 1940 e 1950 e juntaram-se às outras centenas de milhares da mesma emissão, ou seja, foram derretidas. Mas, uma última, a décima desaparecida e que pertencia à coleção particular do ultimo Rei do Egito, Farouk (que foi um dos maiores numismatas de todos os tempos, com mais de 8.500 moedas de ouro raríssimas), escapou da destruição. Tornou-se então, uma antiguidade solitária de enorme valor, objeto do desejo de muitos colecionadores...e do governo norte-americano!

No início de 1944, antes do governo norte-americano descobrir o furto das 10 moedas Double Eagle de 1933, a Embaixada Real do Egito apresentou esta moeda para o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, solicitando uma licença para exportá-la para o Egito, para adicioná-la na coleção de Farouk. Os burocratas, emissores da licença especial de exportação requerida para todas as moedas de ouro devido aos efeitos restritivos da decisão do Presidente Roosevelt de março de 1933, não reconheceram a importância de uma moeda oficialmente não emitida e inadvertidamente, liberaram a licença de exportação!

Dez anos depois, em 1954, a Double Eagle foi posta à venda juntamente com as outras raridades da coleção particular do Rei Farouk. A Casa Sotheby´s, atuando em nome da recém proclamada República do Egito, foi encarregada de leiloar a assombrosa coleção montada pelo ex-monarca, já então sem trono, que levou quase 10 dias consecutivos, tal a quantidade e a qualidade dos itens ofertados. Durante o leilão, o Departamento do Tesouro norte-americano, solicitou formalmente que a moeda fosse retirada da venda, o que após muitas negociações diplomáticas envolvendo os dois governos, foi finalmente aceito. Mesmo tendo o governo da nova República do Egito apresentado toda a documentação que provava os direitos egípcios sobre a moeda para os diversos órgãos do governo norte-americano, incluindo a autorização especial emitida 10 anos antes, da Alfândega até o Departamento do Tesouro, não conseguiu reverter o bloqueio. A moeda então, foi transferida e guardada no templo de Behbeit Al-Hagar, perto do delta do rio Nilo, num subúrbio distante da cidade do Cairo, de onde desapareceu misteriosamente. Estranhamente, o governo egípcio não anunciou o desaparecimento e nem registrou qualquer tipo de boletim de ocorrência ou queixa em nenhum organismo policial, seja nacional ou internacional, provavelmente temendo a repercussão negativa que traria para uma república recém constituída que, justamente, derrubou a monarquia acusando-a de dilapidar e enviar para o exterior, seu inestimável acervo histórico.

Quase meio século depois, em 1996, Stephen Fenton, um comerciante e colecionador inglês desconhecido até então, hospedou-se no luxuoso Waldorf-Astoria Hotel, no Empire Estate Building em Nova York e na

sua segura e confortável suíte, negocia a venda da última 1933 US$ 20 Double Eagle conhecida, com dois interessados na aquisição desta moeda excepcional. Para sua surpresa, no auge da negociação, os interessados identificam-se como agentes do Serviço Secreto norte-americano que, cumprindo uma ordem presidencial emitida em 1933, dão-lhe voz de prisão e confiscam a moeda!


Inicia-se então, uma batalha judicial de 5 anos que levou a um acordo inédito e único até hoje, entre o Governo dos Estados Unidos da América do Norte e o comerciante inglês, reconhecendo-o legalmente como seu ultimo proprietário particular legítimo.


Num leilão oficial, na Casa de Leilões Sotheby´s de Nova York, durante a Convenção Anual da Associação Numismática Americana (ANA), em 30 de julho de 2002, a venda da moeda única, num único lote, na Sotheby´s de Nova York foi inesquecível.

Centenas de pessoas previamente cadastradas e rigorosamente escolhidas e convidadas, incluindo alguns dos maiores colecionadores de todo o mundo, amontoavam-se em volta da Double Eagle, tentando captar o ultimo brilho da ultima moeda do gênero, antes de seguir para a venda. O leilão começou pontualmente às 18 horas com um lance inicial de 2,5 milhões de dólares. Em apenas 4 minutos, os lances passaram dos 5 milhões de dólares! Finalmente, depois de apenas 9 minutos corridos, o broker de um colecionador não identificado até hoje, de número L0003, encerrou o leilão com um lance não superado, de US$ 7,590,000.00 representando US$ 6,600,000.00 mais a comissão do leiloeiro de 15% para a Sotheby´s!

Assim que a venda foi finalizada, o U. S. Mint´s Public Enterprise Fund (PEF) recolheu o total arrecadado. Posteriormente, o PEF liberou os seguintes valores: de US$ 3,299,080.00 para Stephen Fenton; repassou a comissão do leiloeiro a Sotheby´s para remunerá-la pelos serviços que prestou para o governo norte-americano em marketing e organização do leilão e, acreditem, os outros US$ 3,300,000.00 foram para o Departamento do Tesouro norte-americano acrescidos de mais inacreditáveis US$ 20 necessários para "monetizar" o valor de face da moeda, na contabilidade oficial! Só então, foi possível legalizar a propriedade, totalizando o preço final de venda em fantásticos US$ 7,590,020.00 que acredita-se, seja o maior valor pago em uma única moeda em leilão até aquela data.

Vejam o que disse a então Diretora Superintendente da U. S. Mint, senhora Henrietta Holsman Fore, numa entrevista coletiva logo após o evento: " - Nós estamos muito satisfeitos com a venda. Esta moeda, que um dia valeu US$ 20, deverá reforçar a noção de que há um tremendo valor em colecionar moedas. Não é apenas um hobby prazeroso, mas também, uma busca interessante e rica em História, marcada por ocasiões excitantes como essa".

Passados alguns anos desse memorável evento, descobriu-se que essa moeda foi apenas uma dentre as que sobreviveram à destruição. Duas outras foram doadas para o Smithsonian Institution, ficando uma para exibição e a outra, para guardar para a História, sem que seu doador fosse identificado.

Algumas fontes sugerem que foi o próprio governo Egípcio o arrematador não identificado da moeda. Segundo o broker que intermediou o lance vencedor, numa declaração interessante, agradeceu efusivamente a monarquia egípcia (?), pela preservação da moeda pelo Rei Farouk: "sem ele, este tesouro teria sido derretido junto com as outras".


Para o seu afortunado proprietário, uma rara peça numismática de valor milionário e história única, repousando protegida em alguma caixa-forte por esse mundo afora, bem distante dos olhares e desejos de numismatas como nós, pobres mortais

Fontes:

- American 1933 Double Eagle Gold Coin, Gold Bullion Coins,
no site http://www.mapsofworld.com/

- The United States Mint Pressroom, no site http://www.usmint.gov/

- Al-Ahram Weekly Journal, Cairo, Egypt, no site
http://www.weekly.ahram.org.eg/

- Coin Connoisseur, no site http://www.coinmag.com/


Texto Publicado Originariamente no BOLETIM N° 32 de Setembro/2007 DA SNP - SOCIEDADE NUMISMÁTICA PARANAENSE ÀS FOLHAS 22 A 27

Texto de autoria dos numismatas, João Gualberto Abib e Roberto Keller.

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