Quem é numismata, daqueles que tem especial interesse nas bases dos recunhos dos nossos 960 Réis, que tenha aproximadamente 50 anos de idade e gosta de cinema, deve lembrar-se dos memoráveis filmes de piratas, em sua grande maioria, filmados no Mar do Caribe e suas adjacências. E não é por menos: através de frotas com dezenas de galeões abarrotados, os tesouros do Novo Mundo partiam do Panamá pelo Mar do Caribe e atravessavam o Oceano Atlântico em direção à Península Ibérica, de onde circulavam pelo globo em quantidades inacreditáveis. Essas frotas milionárias eram o alvo predileto de pilhagens por piratas, corsários e bucaneiros privados ou a soldo de nações rivais como a Inglaterra, França, Holanda e até mesmo, de Portugal. Até os dias de hoje, o sonho de qualquer mergulhador ainda é o de encontrar um galeão naufragado, com arcas repletas de moedas! Apesar disso, tanto o Rei espanhol Felipe II (1556-1598) como seus sucessores, Felipe III (1598-1621) e Felipe IV (1621-1665) viveram em guerra permanente contra as nações inimigas e em débito com as casas bancárias européias e a população em geral! As riquezas das Américas apenas passavam pelas mãos espanholas, indo para os cofres das potências bancárias européias como a Holanda, que mantinha forte comércio com o Extremo Oriente, onde os então chamados “trade dollars”, iam parar nas mãos dos mercadores chineses. Porém, por volta de 1640, esses mercadores chineses começaram a recusar as peças de prata espanholas, alegando que estavam com o peso e a lei menor do que valiam. Evitando perder a aceitação mundial de sua adorada moeda, a coroa espanhola iniciou uma devassa em suas colônias no Novo Mundo e descobriu anos de fraudes e abusos na Casa Real de Moeda de Potosi, hoje parte do território boliviano, que naquela época pertencia ao Vice-Reino do Peru.
Peru e Potosi eram nomes que andavam na boca de todos os aventureiros europeus, incandescendo-lhes a mente. Depois de pilhar o ouro dos Incas no Peru e dos Astecas no México, os conquistadores espanhóis descobriram por engano, em 1544, uma montanha inteira fabulosamente rica em prata no altiplano da Bolívia: Cerro Rico de Potosi, uma maravilha da natureza e um verdadeiro milagre para os já combalidos cofres reais espanhóis! Situada na Cordilheira dos Andes, a 4.824 metros de altitude, extraíram mais de 70.000 toneladas de prata durante quase 400 anos! Em valores atuais, mais de dois bilhões e meio de dólares em prata! Aproximadamente 1 milhão de escravos índios e negros morreram na extração e processamento ao longo dos quase 300 anos de dominação colonial espanhola. Vapores de mercúrio e fumaça de fundição reduziam a vida útil dos escravos mineradores para menos de 6 meses, nesta que era então, a maior mina subterrânea do mundo.
Os tesouros em moedas, barras e chapas de prata produzidas pela Casa Real de la Moneda de Potosi, eram carregados em caravanas de lhamas que desciam do altiplano andino para o porto de Lima, numa jornada de mais de 1.000 quilômetros. Os tesouros eram então transferidos para galeões que navegavam pelo Oceano Pacífico rumo ao norte, para o Panamá, onde eram novamente descarregados e postos no lombo de mulas para cruzar o país para o leste, seguindo o trajeto onde hoje existe o Canal do Panamá. Recolocados mais uma vez dentro de galeões, iniciavam uma longa e perigosa jornada pelo Mar do Caribe e o Oceano Atlântico em direção a Espanha, se os piratas e as condições climáticas assim o permitissem.
Uma nota real de 23 de setembro de 1642 estabelecia que a lei ou fineza da moeda de prata proveniente da América deveria ser de 11 dinheiros e 4 grãos, o que equivalia a 0,931 de prata pura. Isso deveria ser rigorosamente cumprido pelos Ensaiadores de todas as Casas Reais de Moedas do Novo Mundo e sua desobediência era considerado crime de lesa-majestade, sujeito a todo o peso da Lei espanhola vigente, o que não era pouca coisa.
Os registros oficiais começam em 12 de abril de 1644, quando o Ensaiador-mór do Reino, dom Andrés de Perera enviou um ofício ao Presidente do Conselho de Fazenda mostrando as fraudes e os transtornos causados pela falta de lei das moedas recentemente recebidas das Índias e solicitando a criação de uma comissão para, “com toda urgência e segredo”, pôr um fim nessa situação. Em 7 de julho de 1648, a Casa de Contratação de Sevilha informou diretamente ao Rei sobre os “embaraços ocasionados pela moeda (nas Índias), não querendo aceitá-las os comerciantes locais até que se realize o ensaio respectivo”. Dias depois, o Conselho de Fazenda do Reino de Aragão mostrou que “faltavam até 3 Reales em cada peça de 8 Reales provenientes do pagamento do exército real na América”, o que fez Felipe IV decretar um ensaio geral nas moedas provenientes de Potosi. O Reino de Castela enviou reclamação similar datada de 5 de setembro de 1648. Evidentemente a moeda potosina havia chegado na metrópole com a frota da América e já estava circulando por toda a Europa, onde fora detectado pelos particulares (e confirmado pelos Ensaiadores Reais espanhóis) que continham falta superior a 25% em prata, o que ocasionava a recusa generalizada. Em resposta, Felipe IV designou o Dr. Francisco de Nestares Marin, pessoa de sua inteira confiança e com amplo conhecimento monetário, para que viajasse a Potosi com plenos poderes para investigar e solucionar a situação. Além disso, o Rei decidiu em 15 de janeiro de 1649, enviar ao Vice-Rei do Peru exemplares dos 8 Reales fraudados, que haviam sido examinadas em novembro de 1648 pelos Ensaiadores Reais Andrés de Perera e Pedro de Arce, para que tomasse as providências devidas.
Nestares Marin iniciou seus trabalhos em Potosi em fins de dezembro de 1648. Como resultado de suas investigações, destituiu e encarcerou o Corregedor-mór da cidade, don Juan Velarde Treviño, destituiu do cargo o então Tesoureiro-mór da Casa Real de Moeda local don Bartolomé Hernández e condenou a morte por crime de lesa-majestade os antigos Tesoureiros Francisco Ximénez de Cervantes e Miguel Ruiz, por cumplicidade na falsificação das moedas. Nestares Marin comprovou ainda que havia cumplicidade entre os funcionários da Casa Real de Moeda e os mercadores de prata da região, pelo qual o Prefeito de Potosi, Francisco Gómez de la Rocha e o Ensaiador Felipe Ramirez de Arellano (cujo monograma “FR” aparece gravado em várias moedas) considerados como os que iniciaram a fraude, foram condenados à morte por garrote-vil em dezembro de 1649, sendo seus cadáveres posteriormente exibidos em praça pública para servir de exemplo à população do rigor com que a coroa espanhola tratava quem ousasse desobedecer as suas Leis. Em seguida, destituiu e julgou o Ensaiador Pedro Zambrano (cujo monograma, “Z” também aparece em diversas moedas) condenando-o à morte, nomeando em seu lugar don Juan Rodríguez de Rodas, que viera da Espanha com Nestares Marin para assumir o cargo. Punidos os principais responsáveis pela fraude, passou-se então a tomar as medidas necessárias para tentar reverter o estrago causado.
Procurando resolver o problema da moeda potosina adulterada, Felipe IV emitiu em 22 de dezembro de 1650 uma nota real que dava autonomia para o Vice-Rei do Peru, o Marquês de Mancera, para que desvalorizasse a moeda potosina, melhorasse a lei das novas moedas e alterasse o desenho dos seus cunhos. Isso deu origem a um novo desenho das macuquinas que começaram a cunhar por volta de 1653, com o desenho que passou a ser conhecido como os COLUNÁRIOS. Mesmo assim, os Ensaiadores Rodas (identificação “..”) e seu sucessor Antonio de Ergueta não conseguiram manter a lei e a fineza dos colunários iniciais cunhando-os com uma falha de 6% na prata. Novamente foram desvalorizadas no valor correspondente, ficando as peças de 8 Reales equivalentes a 7,5 Reales e as de 4 Reales em 3,75 Reales, sendo acrescentada uma coroa ao cunho para identificá-las com maior facilidade. Não foram encontrados registros do destino dado aos dois ensaiadores.
Como a população da metrópole não tinha uma forma rápida de saber exatamente qual era a moeda potosina problemática, as decisões tomadas pelos conselheiros do Rei acabaram criando dois problemas: de um lado, dificuldades para a circulação das moedas no uso diário (paralisação das atividades comerciais e do recolhimento dos impostos até que começassem a circular as moedas boas) e por outro lado, gerando grandes e acirradas discussões entre os Ensaiadores sobre qual procedimento seria utilizado para descobrir e separar as moedas adulteradas (e desvalorizadas) das moedas sãs. Na dúvida, a população começou a guardar em casa todas as suas moedas até que fosse divulgada uma solução definitiva. E, sem as moedas em circulação, com o comércio paralisado e sem o recolhimento dos impostos para pagamento das despesas do reino, surge o desabastecimento de produtos essenciais e a alta dos preços nos mercado, com a insatisfação e o descontentamento geral da população.
Acuado por todos os lados, Felipe IV foi obrigado a emitir uma decisão real datada de outubro de 1650, determinando “que todos os Reales de 8 e de 4 do Peru, sem distinção alguma entre uns e outros, de agora em diante, valham os de 8 em 6 Reales e os de 4 em 3 Reales”. Houve uma correria sem precedente às Casas de Moedas e Fundições em todo o domínio espanhol, com a população levando todas as suas moedas para ensaio, fundição e recunhagem posterior, tentando reduzir suas perdas. Tanta era a insatisfação e a confusão que levou o Rei a emitir uma decisão real em 1651, onde não se cobrava mais taxa alguma para fundir e cunhar as novas moedas. As Casas Reais de Moedas e de Fundição espalhadas por todo o vasto domínio espanhol trabalharam no máximo de suas capacidades, ininterruptamente por mais de nove meses, para dar conta do trabalho. Mesmo assim, em junho de 1651 foi dada autorização para que alguns ricos comerciantes da Espanha enviassem para a Itália, suas barras de prata fundidas das moedas peruanas para que fossem cunhadas moedas por lá, em virtude da sobrecarga nas Casas de Moedas e de Fundição espanholas. Enquanto suas barras viajavam, foram autorizados a sacar diretamente dos cofres da reserva da Casa Real da Espanha, seus saldos em moedas de 8 Reales a uma cotação de 6 Reales, “já que isso não poderia aumentar ainda mais, o descrédito da moeda espanhola”.
Com todos os problemas já descritos e com o descrédito da moeda espanhola, tanto nos domínios espanhóis como em todo o mundo, um caso teve grande repercussão e gerou enorme constrangimento e vergonha ao próprio Rei: foi dito que no final de outubro de 1650, a Rainha Dona Mariana ao pagar algum tipo de compra, usou várias moedas de 8 Reales potosinos, da baixa lei! Foi feita inclusive, uma consulta formal ao Conselho de Fazenda sobre uma forma legal de substituir as moedas da Rainha... O problema da moeda fraudada em Potosi atingiu proporção tão grande nos domínios espanhóis, que manchou até mesmo a reputação da família real!
No início de 1651, no auge da crise econômica causada pela moeda potosina de baixa qualidade, foi proposto pela primeira vez que, em vez de aguardar que toda a moeda em circulação fosse separada e a potosina recunhada dentro da lei voltasse a circular, que aceitassem o pagamento dos impostos com as moedas de 8 Reales cotadas em 6 Reales, proposta aceita pelo Conselho de Fazenda para assegurar em definitivo, tanto o desaparecimento de circulação de todas as moedas adulteradas como a retomada do recolhimento dos impostos para custear as despesas do reino, até então bancadas diretamente pelas reservas do Rei. Entre 1654 e 1657, ainda apareciam esporadicamente, pequenos lotes de moedas potosinas adulteradas, que ainda vagavam pelo mundo afora.
Contudo, somente por volta de 1657, foi considerado solucionado os enormes transtornos causados pelo “Grande Escândalo”, gerado pela redução fraudulenta da lei ou fineza da prata nas moedas cunhadas na Casa Real de Moeda de Potosi. Isso não trouxe conseqüências sérias apenas para os funcionários e mercadores de prata que se uniram para cometer uma fraude, naquela cidade distante no altiplano andino. Todo o vasto domínio espanhol foi afetado, seja pela perda de valor da moeda, seja pelo enorme descrédito que a moeda espalhou por todo o mundo. Até mesmo a família real espanhola passou por situações embaraçosas. Num ensaio monetário realizado na Casa Real de Moeda de Madrid em 26 de setembro de 1650, dos 2.952 Reales em moedas potosinas apurou-se na verdade, 2.203 Reales em moeda legal, deduzindo-se que a lei ou fineza da prata das moedas cunhadas em Potosi era, pelo menos, 25,4% inferior ao que determinava a legislação vigente na época! Aplicando-se esse índice na produção gigantesca de moedas de prata potosina, durante os 8 anos em que se presumem que durou a fraude, o desfalque do “Grande Escândalo de Potosi” alcançaria um montante maior que 10 milhões de Pesos em valores da época, uma cifra astronômica.
Nos dias de hoje, tendo em vista o esforço da coroa espanhola em retirar de circulação as moedas potosinas fraudadas, devolvê-las à circulação devidamente recunhadas dentro da lei e a tentativa de recuperar o prestígio que as peças de prata emitidas no Novo Mundo gozavam antes do Grande Escândalo, é extraordinariamente raro encontrar-se um exemplar das mesmas. Quem porventura as detiver, estará de posse de uma peça de valor inestimável.
Peru e Potosi eram nomes que andavam na boca de todos os aventureiros europeus, incandescendo-lhes a mente. Depois de pilhar o ouro dos Incas no Peru e dos Astecas no México, os conquistadores espanhóis descobriram por engano, em 1544, uma montanha inteira fabulosamente rica em prata no altiplano da Bolívia: Cerro Rico de Potosi, uma maravilha da natureza e um verdadeiro milagre para os já combalidos cofres reais espanhóis! Situada na Cordilheira dos Andes, a 4.824 metros de altitude, extraíram mais de 70.000 toneladas de prata durante quase 400 anos! Em valores atuais, mais de dois bilhões e meio de dólares em prata! Aproximadamente 1 milhão de escravos índios e negros morreram na extração e processamento ao longo dos quase 300 anos de dominação colonial espanhola. Vapores de mercúrio e fumaça de fundição reduziam a vida útil dos escravos mineradores para menos de 6 meses, nesta que era então, a maior mina subterrânea do mundo.
Os tesouros em moedas, barras e chapas de prata produzidas pela Casa Real de la Moneda de Potosi, eram carregados em caravanas de lhamas que desciam do altiplano andino para o porto de Lima, numa jornada de mais de 1.000 quilômetros. Os tesouros eram então transferidos para galeões que navegavam pelo Oceano Pacífico rumo ao norte, para o Panamá, onde eram novamente descarregados e postos no lombo de mulas para cruzar o país para o leste, seguindo o trajeto onde hoje existe o Canal do Panamá. Recolocados mais uma vez dentro de galeões, iniciavam uma longa e perigosa jornada pelo Mar do Caribe e o Oceano Atlântico em direção a Espanha, se os piratas e as condições climáticas assim o permitissem.
Uma nota real de 23 de setembro de 1642 estabelecia que a lei ou fineza da moeda de prata proveniente da América deveria ser de 11 dinheiros e 4 grãos, o que equivalia a 0,931 de prata pura. Isso deveria ser rigorosamente cumprido pelos Ensaiadores de todas as Casas Reais de Moedas do Novo Mundo e sua desobediência era considerado crime de lesa-majestade, sujeito a todo o peso da Lei espanhola vigente, o que não era pouca coisa.
Os registros oficiais começam em 12 de abril de 1644, quando o Ensaiador-mór do Reino, dom Andrés de Perera enviou um ofício ao Presidente do Conselho de Fazenda mostrando as fraudes e os transtornos causados pela falta de lei das moedas recentemente recebidas das Índias e solicitando a criação de uma comissão para, “com toda urgência e segredo”, pôr um fim nessa situação. Em 7 de julho de 1648, a Casa de Contratação de Sevilha informou diretamente ao Rei sobre os “embaraços ocasionados pela moeda (nas Índias), não querendo aceitá-las os comerciantes locais até que se realize o ensaio respectivo”. Dias depois, o Conselho de Fazenda do Reino de Aragão mostrou que “faltavam até 3 Reales em cada peça de 8 Reales provenientes do pagamento do exército real na América”, o que fez Felipe IV decretar um ensaio geral nas moedas provenientes de Potosi. O Reino de Castela enviou reclamação similar datada de 5 de setembro de 1648. Evidentemente a moeda potosina havia chegado na metrópole com a frota da América e já estava circulando por toda a Europa, onde fora detectado pelos particulares (e confirmado pelos Ensaiadores Reais espanhóis) que continham falta superior a 25% em prata, o que ocasionava a recusa generalizada. Em resposta, Felipe IV designou o Dr. Francisco de Nestares Marin, pessoa de sua inteira confiança e com amplo conhecimento monetário, para que viajasse a Potosi com plenos poderes para investigar e solucionar a situação. Além disso, o Rei decidiu em 15 de janeiro de 1649, enviar ao Vice-Rei do Peru exemplares dos 8 Reales fraudados, que haviam sido examinadas em novembro de 1648 pelos Ensaiadores Reais Andrés de Perera e Pedro de Arce, para que tomasse as providências devidas.
Nestares Marin iniciou seus trabalhos em Potosi em fins de dezembro de 1648. Como resultado de suas investigações, destituiu e encarcerou o Corregedor-mór da cidade, don Juan Velarde Treviño, destituiu do cargo o então Tesoureiro-mór da Casa Real de Moeda local don Bartolomé Hernández e condenou a morte por crime de lesa-majestade os antigos Tesoureiros Francisco Ximénez de Cervantes e Miguel Ruiz, por cumplicidade na falsificação das moedas. Nestares Marin comprovou ainda que havia cumplicidade entre os funcionários da Casa Real de Moeda e os mercadores de prata da região, pelo qual o Prefeito de Potosi, Francisco Gómez de la Rocha e o Ensaiador Felipe Ramirez de Arellano (cujo monograma “FR” aparece gravado em várias moedas) considerados como os que iniciaram a fraude, foram condenados à morte por garrote-vil em dezembro de 1649, sendo seus cadáveres posteriormente exibidos em praça pública para servir de exemplo à população do rigor com que a coroa espanhola tratava quem ousasse desobedecer as suas Leis. Em seguida, destituiu e julgou o Ensaiador Pedro Zambrano (cujo monograma, “Z” também aparece em diversas moedas) condenando-o à morte, nomeando em seu lugar don Juan Rodríguez de Rodas, que viera da Espanha com Nestares Marin para assumir o cargo. Punidos os principais responsáveis pela fraude, passou-se então a tomar as medidas necessárias para tentar reverter o estrago causado.
Procurando resolver o problema da moeda potosina adulterada, Felipe IV emitiu em 22 de dezembro de 1650 uma nota real que dava autonomia para o Vice-Rei do Peru, o Marquês de Mancera, para que desvalorizasse a moeda potosina, melhorasse a lei das novas moedas e alterasse o desenho dos seus cunhos. Isso deu origem a um novo desenho das macuquinas que começaram a cunhar por volta de 1653, com o desenho que passou a ser conhecido como os COLUNÁRIOS. Mesmo assim, os Ensaiadores Rodas (identificação “..”) e seu sucessor Antonio de Ergueta não conseguiram manter a lei e a fineza dos colunários iniciais cunhando-os com uma falha de 6% na prata. Novamente foram desvalorizadas no valor correspondente, ficando as peças de 8 Reales equivalentes a 7,5 Reales e as de 4 Reales em 3,75 Reales, sendo acrescentada uma coroa ao cunho para identificá-las com maior facilidade. Não foram encontrados registros do destino dado aos dois ensaiadores.
Como a população da metrópole não tinha uma forma rápida de saber exatamente qual era a moeda potosina problemática, as decisões tomadas pelos conselheiros do Rei acabaram criando dois problemas: de um lado, dificuldades para a circulação das moedas no uso diário (paralisação das atividades comerciais e do recolhimento dos impostos até que começassem a circular as moedas boas) e por outro lado, gerando grandes e acirradas discussões entre os Ensaiadores sobre qual procedimento seria utilizado para descobrir e separar as moedas adulteradas (e desvalorizadas) das moedas sãs. Na dúvida, a população começou a guardar em casa todas as suas moedas até que fosse divulgada uma solução definitiva. E, sem as moedas em circulação, com o comércio paralisado e sem o recolhimento dos impostos para pagamento das despesas do reino, surge o desabastecimento de produtos essenciais e a alta dos preços nos mercado, com a insatisfação e o descontentamento geral da população.
Acuado por todos os lados, Felipe IV foi obrigado a emitir uma decisão real datada de outubro de 1650, determinando “que todos os Reales de 8 e de 4 do Peru, sem distinção alguma entre uns e outros, de agora em diante, valham os de 8 em 6 Reales e os de 4 em 3 Reales”. Houve uma correria sem precedente às Casas de Moedas e Fundições em todo o domínio espanhol, com a população levando todas as suas moedas para ensaio, fundição e recunhagem posterior, tentando reduzir suas perdas. Tanta era a insatisfação e a confusão que levou o Rei a emitir uma decisão real em 1651, onde não se cobrava mais taxa alguma para fundir e cunhar as novas moedas. As Casas Reais de Moedas e de Fundição espalhadas por todo o vasto domínio espanhol trabalharam no máximo de suas capacidades, ininterruptamente por mais de nove meses, para dar conta do trabalho. Mesmo assim, em junho de 1651 foi dada autorização para que alguns ricos comerciantes da Espanha enviassem para a Itália, suas barras de prata fundidas das moedas peruanas para que fossem cunhadas moedas por lá, em virtude da sobrecarga nas Casas de Moedas e de Fundição espanholas. Enquanto suas barras viajavam, foram autorizados a sacar diretamente dos cofres da reserva da Casa Real da Espanha, seus saldos em moedas de 8 Reales a uma cotação de 6 Reales, “já que isso não poderia aumentar ainda mais, o descrédito da moeda espanhola”.
Com todos os problemas já descritos e com o descrédito da moeda espanhola, tanto nos domínios espanhóis como em todo o mundo, um caso teve grande repercussão e gerou enorme constrangimento e vergonha ao próprio Rei: foi dito que no final de outubro de 1650, a Rainha Dona Mariana ao pagar algum tipo de compra, usou várias moedas de 8 Reales potosinos, da baixa lei! Foi feita inclusive, uma consulta formal ao Conselho de Fazenda sobre uma forma legal de substituir as moedas da Rainha... O problema da moeda fraudada em Potosi atingiu proporção tão grande nos domínios espanhóis, que manchou até mesmo a reputação da família real!
No início de 1651, no auge da crise econômica causada pela moeda potosina de baixa qualidade, foi proposto pela primeira vez que, em vez de aguardar que toda a moeda em circulação fosse separada e a potosina recunhada dentro da lei voltasse a circular, que aceitassem o pagamento dos impostos com as moedas de 8 Reales cotadas em 6 Reales, proposta aceita pelo Conselho de Fazenda para assegurar em definitivo, tanto o desaparecimento de circulação de todas as moedas adulteradas como a retomada do recolhimento dos impostos para custear as despesas do reino, até então bancadas diretamente pelas reservas do Rei. Entre 1654 e 1657, ainda apareciam esporadicamente, pequenos lotes de moedas potosinas adulteradas, que ainda vagavam pelo mundo afora.
Contudo, somente por volta de 1657, foi considerado solucionado os enormes transtornos causados pelo “Grande Escândalo”, gerado pela redução fraudulenta da lei ou fineza da prata nas moedas cunhadas na Casa Real de Moeda de Potosi. Isso não trouxe conseqüências sérias apenas para os funcionários e mercadores de prata que se uniram para cometer uma fraude, naquela cidade distante no altiplano andino. Todo o vasto domínio espanhol foi afetado, seja pela perda de valor da moeda, seja pelo enorme descrédito que a moeda espalhou por todo o mundo. Até mesmo a família real espanhola passou por situações embaraçosas. Num ensaio monetário realizado na Casa Real de Moeda de Madrid em 26 de setembro de 1650, dos 2.952 Reales em moedas potosinas apurou-se na verdade, 2.203 Reales em moeda legal, deduzindo-se que a lei ou fineza da prata das moedas cunhadas em Potosi era, pelo menos, 25,4% inferior ao que determinava a legislação vigente na época! Aplicando-se esse índice na produção gigantesca de moedas de prata potosina, durante os 8 anos em que se presumem que durou a fraude, o desfalque do “Grande Escândalo de Potosi” alcançaria um montante maior que 10 milhões de Pesos em valores da época, uma cifra astronômica.
Nos dias de hoje, tendo em vista o esforço da coroa espanhola em retirar de circulação as moedas potosinas fraudadas, devolvê-las à circulação devidamente recunhadas dentro da lei e a tentativa de recuperar o prestígio que as peças de prata emitidas no Novo Mundo gozavam antes do Grande Escândalo, é extraordinariamente raro encontrar-se um exemplar das mesmas. Quem porventura as detiver, estará de posse de uma peça de valor inestimável.
No início do texto, as imagens das moedas, representam uma moeda Macuquina "fraudada" e de um Colunário que foi criado em substituição destas moedas, alterando-se o desenho para evitar fraudes daí por diante.
Texto de autoria dos Numismatas - Roberto Keller e João Gualberto Abib ( publicado originalmente no Boletim da Sociedade Numismática Paranaense nª 32, em Setembro de 2007 - Páginas 15 a 21 ) .
Nenhum comentário:
Postar um comentário